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Taoísmo: A Filosofia de Fluir Sem Esforço


Quando olhamos a natureza  de perto, é evidente que existe um fluxo profundamente ordenado em tudo o que vemos. O movimento dos planetas e das estrelas do universo, ciclos meteorológicos, relações simbióticas entre animais, cadeias alimentares equilibradas e o misterioso processo de evolução biológica que faz isso se tornar aquilo. Ciência e religião tentaram explicar esses mistérios, com teorias e crenças que até nos dão algum chão, mas convenhamos, são apenas visões recortadas, muitas vezes ilusórias, de uma realidade que é complexa e limitada demais para caber somente nas definições limitadas da nossa linguagem. Na tentativa de se definir o indefinível, a filosofia do taoísmo brilha ao apostar nas metáforas e paradoxos, não por ingenuidade romântica, mas pela despretenção inteligente que reconhece, antes de tudo, que crenças e teorias não fazem jus à profundidade da existência.

O caminho que pode ser ensinado não é o caminho eterno. O nome que pode ser falado não é o nome eterno. O inominável é o eterno real. Essa é a abertura do segundo livro mais traduzido em toda a história da humanidade, apenas atrás da Bíblia, o Tao Te Ching.

Apesar de não haver provas da existência do seu famoso autor, ele, Lao Tzu, teria vivido há 2 .500 anos atrás na China e reconhecido por sua íntima afinidade com a sábia ordem do universo, chamada de Tao, ou o caminho em chinês. Reza a lenda que o Tao Te Ching quase não foi escrito, e só foi porque nos últimos dias de vida do Lao Tzu, ao tentar migrar pelas montanhas, um guardião da fronteira só autorizaria sua passagem se Lao Tzu registrasse sua sabedoria em papel para as próximas gerações. Mesmo contrariado, escreveu para poder passar. E já que ia escrever, por saber que o que sabia não cabia na linguagem verbal, advertiu logo na abertura do livro.

O mistério não pode ser entendido intelectualmente. Precisa ser vivido. Aqueles que seguem conhecimento aprendem algo todo dia. Aqueles que seguem o Tao desaprendem algo todo dia, desaprendendo e desaprendendo até alcançar a não -ação.

Quando nada é feito, nada fica desfeito. No Taoísmo, o conhecimento teórico é limitado, mas existe uma virtude ilimitada que permite nos harmonizar com a sabedoria do universo, que se chama Wu Wei, traduzido como não -ação, ação sem esforço ou ação sem intenção. Não -ação não significa não fazer nada. Muito pelo contrário, é uma ação completa, porém natural e espontânea, porque sofre pouco ou nenhum controle do nosso ego.

Esse conceito não é só filosófico, é real, e inclusive foi estudado pelo famoso psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi no livro Flow, a psicologia do alto desempenho da felicidade, chamando o fenômeno de estado de fluxo. No estado de fluxo, as pessoas estão tão imersas no que estão fazendo que perdem a autoconsciência, esquecem que existem e se fundem completamente com a ação. A dançarina se torna a dança, o músico se torna a música, o poeta se torna a poesia. O ego se dissolve na ação e a ação se desenvolve quase sem esforço.

Como nas palavras de um escalador no livro Flow, é um sentimento zen, como meditação ou concentração. De alguma forma, a coisa certa é feita sem você nunca pensar sobre isso ou fazer qualquer coisa. Simplesmente acontece, e ainda assim, você está mais concentrado. Também nas palavras do ex -jogador de basquete da NBA, Bill Russell, de vez em quando, algum jogo dos celtics esquentava e virava mais do que um jogo físico ou mental, se tornava mágico.

O jogo se movia tão rapidamente que cada fake, corte e passe seriam surpreendentes, mas nada me surpreendia. Era quase como se estivéssemos jogando em câmera lenta. Durante esses feitiços, eu podia pressentir como a próxima jogada se desenvolveria e onde a próxima cesta seria feita. O escalador tomava as melhores decisões sem pensar em decisões.

O corpo exausto de Bill Russell agia, mas a mente estava tão silenciosa e sensível que conseguia prever o que estava pra acontecer. Esse é o paradoxo da ação, da não -ação. O corpo age intuitivamente, os pensamentos silenciam. Porém, o estado de fluxo não é só uma ação intuitiva que você faz totalmente relaxada.
É, na verdade, um fino equilíbrio entre seu nível de habilidade e do desafio à sua frente. Habilidade de mais e desafio de menos e temos tédio. Desafio de mais e habilidade de menos e temos ansiedade e insegurança. O estado de fluxo acontece quando sua habilidade está harmoniosamente equilibrada com o desafio, sem faltar e nem sobrar.

Quando isso acontece, sua energia está tão canalizada à tarefa na sua frente que nada resta pra pensamentos de preocupação e autossabotagem. Não existe espaço pro ego, pro passado ou futuro. Apenas a mais pura presença da sua sensibilidade. Ficou comprovado que é exatamente isso que acontece com músicos de jazz.

Num estudo por imagens de ressonância magnética, observou -se que no auge da improvisação musical de jazz, a área cerebral ligada a pensamentos de inibição e autocensura era desativada. Com menos atenção dedicada a esses pensamentos, a energia dos músicos ficava livre para criar e fluir. O livro Flow indica que a condição decisiva pro estado de fluxo surgir está exatamente nessa capacidade de desligar atividades cerebrais desnecessárias pro desafio do momento, enquanto canaliza -se a energia psíquica apenas onde é necessária. Ou seja, a flexibilidade de trocar nosso foco de atenção com fluidez.

Mas essa habilidade adaptativa não é um superpoder que pertence apenas a atletas e artistas. Está à disposição de todos nós. A gente já está cansado de saber que hábitos simples como meditação e exercício físico melhoram nossa capacidade de direcionar a atenção para onde precisamos, mas mesmo assim a gente esquece de cultivar essa possibilidade. No taoísmo, essa capacidade adaptativa a desafios é representada e venerada através do elemento mais fluido da terra, a água.

Que mesmo sendo suave, com o tempo pode esfarelar até a pedra mais rígida. Nada no mundo é mais macio e suave que a água. No entanto, para atacar o duro e forte, nada supera, nada substitui. O fraco vence o forte, o suave supera o duro.

Todos sabem disso, mesmo assim ninguém se aproveita. Essa metáfora adaptativa da água é também um convite para harmonizarmos a aplicação de nossas habilidades exatamente de acordo com o que o momento nos exige. Como andar em uma corda bamba, nos desafia a equilibrar controle e entrega, esforço e relaxamento, movimento e quietude, conhecimento e intuição. Viver em fluxo é achar esse equilíbrio.

Algo fácil e difícil, objetivo e subjetivo, lógico e paradoxal ao mesmo tempo. Assim é a vida, e assim é o DAO. Um lugar difícil de encontrar, mas quando acertamos a medida, esquecemos dos resultados, das pressões e das ansiedades do futuro, e apenas fluímos. Se o meu conteúdo te ajuda e você quiser retribuir, dê um like, inscreva -se no canal e acione o sininho de notificações na opção TODAS.


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